Entrevista especial com Patrícia Binkowski: A expansão da floresta industrial no Rio Grande do Sul

Fonte da entrevista: Instituto Humanitas Unisinos

 “Uma das promessas das empresas florestais ao instalarem seus empreendimentos madeireiros foi a geração de vagas de emprego para os municípios da região florestal. No entanto, o que se constata em Encruzilhada do Sul, RS, é a diminuição das vagas de emprego”, informa a engenheira agrônoma.

Foto: ciflorestas.com.br

Uma análise comparativa do plantio de eucalipto, pinus e acácia no Rio Grande do Sul, considerando a extensão de terra plantada nos anos 1980 e, posteriormente, nos anos 2000, mostra que houve uma ampliação da silvicultura no estado a partir de 2003, diz Patrícia Binkowski em entrevista concedida à IHU On-Line, por e-mail.Autora da tese “Dinâmicas Socioambientais e Disputas Territoriais em torno dos Empreendimentos Florestais no Sul do Rio Grande do Sul”, Patrícia tem investigado as causas de o Rio Grande do Sul ter se tornado uma das “bases florestais” para o plantio de eucalipto no país e as implicações que esse tipo de plantio tem gerado em termos ambientais e sociais. De acordo com ela, no município de Encruzilhada do Sul, que tradicionalmente é conhecido como o “berço dos empreendimentos florestais”, o setor madeireiro-celulósico tem substituído atividades econômicas típicas da região. “Para a população local, principalmente aquela que vive na zona rural onde os plantios de ‘mato’ são realizados, o que preocupa é o risco de que eles percam sua ‘identidade’ e que ‘desapareçam’ com o avanço da silvicultura. (…) Neste processo de substituição do ‘antigo’ pelo ‘novo’, observou-se o aumento do êxodo rural, tendo muitos agricultores/produtores optado por vender a terra, não aderindo assim aos plantios de ‘mato’”, informa a engenheira agrônoma.

Segundo ela, embora se conheçam os impactos da silvicultura, a “aceitação da atividade se dá em virtude de ela ser uma oportunidade econômica, ou seja, se conhecem os impactos (os próprios interlocutores enumeram as transformações no território) e mesmo assim ela é ‘aceita’”. Patrícia Binkowski enfatiza ainda que os conflitos ambientais existem, mas a visibilidade deles “é dependente do rumo das negociações sociopolíticas entre os agentes sociais envolvidos”.

Patrícia Binkowski é professora Adjunta de Desenvolvimento Rural nos cursos de graduação em Gestão Ambiental e Administração Rural e Agroindústria na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul – UERGS, na unidade de São Francisco de Paula – RS. É Engenheira Agrônoma pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, mestre em Desenvolvimento Rural pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – PGDR/UFRGS e doutora em Desenvolvimento Rural pelo PGDR/UFRGS.

Confira a entrevista:

Foto: Portal Ufrgs

IHU On-Line – Quais são os empreendimentos florestais que mais disputam territórios para a realização de seus negócios no Rio Grande do Sul?

Patrícia Binkowski – Bom, de certa forma, quase todas as regiões do RS apresentam atividades e empreendimentos florestais ou de silvicultura, focados, especialmente, na produção de árvores exóticas comerciais como pinus, acácia e eucalipto. De forma representativa e em termos de produção florestal industrial, as regiões fisiográficas conhecidas como “Campos de Cima da Serra”, “Encosta Inferior do Nordeste” e “Litoral” abarcariam as plantações de pinus e acácia. As regiões fisiográficas da “Depressão Central”, “Serra do Sudeste”, “Campanha” e “Encosta do Sudeste” teriam maior representatividade na produção de eucalipto e acácia. Estas últimas e parte da região “Litoral” comporiam a região denominada de “Metade Sul”. Esta divisão se baseia nos dados de produção florestal industrial no Rio Grande do Sul, que estão disponíveis no sítio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, 2012. No entanto, vale ressaltar que isso não significa que não se produzam outras espécies florestais no estado, porém aqui foram analisadas apenas estas três espécies comerciais florestais (pinus, acácia e eucalipto).

A silvicultura realizada a partir de eucalipto, pinus e acácia apresenta uma geografia peculiar no mapa do RS. Se tomarmos como base a década de 1980, os plantios estariam alocados desta forma: eucalipto principalmente na região metropolitana de Porto Alegre, pinus nos Campos de Cima da Serra e acácia na região do Vale do Taquari. No entanto, se tomarmos como parâmetro os dados dos anos 2000, teríamos a expansão destes plantios alastrando-se cada vez mais para a Depressão Central e Serra do Sudeste.

IHU On-Line – Como se dá essa disputa pelos territórios no estado? Quais são as áreas mais visadas e por quê?

Patrícia Binkowski – A expansão na área da silvicultura, principalmente no caso do eucalipto, se dá em meados de 2003 no RS e se deve, sobretudo, à expansão do mercado brasileiro na busca por novas áreas de produção. A conjuntura socioeconômica e política favorável aliada às características edafoclimáticas favoráveis no Rio Grande do Sul fazia do estado (ou, mais especificamente, da Metade Sul) um ambiente propício à alocação dos empreendimentos madeireiro-celulósicos. Segundo dados do Centro de Agronegócios – CENAG (2006), sobre a ocupação de área dos estabelecimentos por diferentes formas de exploração agrícola na Metade Sul do RS, a expansão da silvicultura se deu pelo seguinte contexto:

a) cenário sociopolítico favorável – com políticas públicas voltadas ao incentivo do setor florestal e o desenvolvimento regional para a Metade Sul;

b) em termos econômicos – o baixo custo das terras, baixo custo de implantação e manutenção dos cultivos e mão de obra abundante e barata;

c) localização estratégica – a Metade Sul do RS possui localização geográfica privilegiada, equidistante de São Paulo e de Buenos Aires, os dois principais mercados da América do Sul. Conta com extensa área retroportuária, malha de transporte terrestre e uma rede ferroviária que une o centro e oeste do estado ao Porto de Rio Grande;

d) condições de clima e solo – a precipitação é uniformemente distribuída ao longo do ano e as temperaturas são amenas, propiciando um crescimento vegetativo ininterrupto do eucalipto com corte raso para celulose aos sete anos e corte para toras com 12 anos.

Com base nesses fatores é que o estado foi escolhido por algumas empresas nacionais e transnacionais para a implantação de sua base florestal com eucalipto. Com a decisão das empresas de localizar os empreendimentos florestais no RS, o governador na época – Germano Rigotto – implantou em 2004 o “Programa Floresta-Indústria”, política pública de incentivo às atividades florestais, que previa uma triangulação de responsabilidades entre governo do Estado, empresas florestais e sociedade civil.


NOTA DE REPÚDIO AO JORNAL ZERO HORA e AOS INIMIGOS DE CLASSE QUE EXPLORAM OS MAIS POBRES NAS OCUPAÇÕES URBANAS DE PORTO ALEGRE

O Amigos da Terra Brasil e a Resistência Urbana/POA vêm através deste se manifestar em relação à reportagem de Zero Hora deste domingo, no que se refere às ocupações urbanas em Porto Alegre e a Lei Municipal no 11815/14 que grava 14 Áreas Especiais de Interesse Social, em ocupações urbanas, nesta cidade. A Lei foi construída com a colaboração de diversas outras organizações da sociedade civil, como o IAB, estudantes e professores universitários, com o objetivo de garantir o acesso à moradia e assessoria técnica qualificada e também com objetivo de contribuir para que a partir de sua vivência na cidade os cidadãos privados do direito de morar, possam propor soluções a este grave problema que assola nosso país.

No Brasil temos uma das legislações mais avançadas no que diz respeito ao direito urbanístico: o Estatuto das Cidades e o Capítulo da Política Urbana presentes em nossa constituição são enfáticos ao dizer que uma propriedade só pode ser exercida como tal se cumprir a sua função social. Nossa cidade está cheia de terrenos baldios, que historicamente acumulam lixo, desmanche de carros, são usados como pontos de tráfico e prática de diversos tipos de violência. Terrenos que há anos especulam sem que nada se construa neles, dotados de infraestrutura urbana que é paga pelos impostos de todos os cidadãos. E é por entender que para construir uma cidade mais humana é preciso que a cidade seja distribuída e apropriada por todos, que defendemos que as famílias que ali habitam tem o direito de morar e ter acesso a uma política pública de moradia.

No entanto, não corroboramos com qualquer tipo de mercantilização da cidade e acreditamos que a prática de venda de lotes e exploração dos pobres por parte de profissionais e ou líderes comunitários deve ser sistematicamente combatida. Sabemos que não é de hoje que o mercado informal de imóveis existe, e temos inclusive teóricos do urbanismo que trataram deste tema como Mike Davis e Pedro Abramo, entre outros, mas sem dúvida não podemos ser preconceituosos e colocar a todos numa vala comum. Por traz destas pessoas, muitas outras são exploradas e lutam bravamente pelo seu direito de morar. Portanto, nós contribuímos para a elaboração deste projeto por acreditar que há compatibilidade destes terrenos, que há muito pouco tempo estavam vazios, com a construção de moradias bem localizadas, dotadas de infraestrutura e serviços, independentemente de quem esteja morando sobre ela, mas sempre contribuindo para que os que mais precisam sejam os beneficiados.

Deveria ser imperativo de um prefeito, que não só apoiasse a atitude corajosa dessas famílias, de propor um projeto dessa envergadura como também deveria facilitar o acesso das mesmas às políticas municipais e os recursos disponíveis para moradia no país. Incentivar a construção de moradia popular pelo PMCMV Entidades e contribuir inclusive com subsídios que ajudem as famílias a adquirir as áreas pelo programa.

Só temos a lamentar que a prefeitura aposte em atacar as famílias com o pedido de inconstitucionalidade desta lei e se isente do papel de gestora destas políticas públicas por não garantir qualquer alternativa às famílias que estão sem moradia. O enfraquecimento e sucateamento cada vez maior do DEMHAB e outros órgãos, e a precarização do funcionalismo público, deixam claro, porque nas últimas semanas os municipários tem dado um exemplo de mobilização de classe, afinal são quase sempre eles que sofrem as consequências no final.

Para concluir, agradecemos ao jornal Zero Hora por explicitar e tornar públicas as divisões que acontecem com essas ocupações e ressaltar que ainda existem os que acreditam na luta digna por moradia e não corroboram com práticas escusas. Mas lamentamos a postura de criminalização geral de uma luta que é digna e deve ser respeitada, afinal qualquer ser humano deve ter o direito de morar e entendemos que a Zero Hora tem sim se esforçado para criminalizar às ocupações afim de combater o projeto de AEIS que prejudica a especulação imobiliária, sua parceira histórica.

Nesse sentido concluímos dizendo que nosso papel é contribuir para a construção de uma cidade mais humana, ambientalmente justa e participativa. Que seja agradável e promova a qualidade de vida a todos e que garanta os direitos já conquistados por seus cidadãos.

Seguimos fortes na luta pela moradia!


Seminário Mobilidade, Moradia e Reforma Urbana

Evento ocorreu na Escola Porto Alegre

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Primeira noite de seminário Foto: Vinícius Zuanazzi

A Escola Porto Alegre recebeu nos dias 29 e 30 de maio, o seminário Mobilidade, Moradia e Reforma Urbana. Importante espaço de discussão sobre o direito à cidade, moradia digna e um transporte público de qualidade condizente com a necessidade da população. O evento foi idealizado e executado pelo núcleo de Economia Alternativa da UFRGS, em parceria com movimentos sociais e organizações como a ONG Cidade, o Instituto de Arquitetos do Brasil, o Amigos da Terra Brasil, o Fórum de Ocupações, a Resistência Urbana e a Federação dos Metalúrgicos do RS.

A intenção do encontro era a de promover a discussão dos temas propostos entre a sociedade, movimentos sociais e a academia. Para isso, foram convidados integrantes destes setores para que apresentassem dados e informações no evento com o objetivo de fortalecer a luta por direitos..

A primeira noite de seminário, na sexta-feira, teve como tema inicial de discussão “O transporte urbano pra além da tarifa, um debate sobre a cidade”. Participaram da mesa de debate administrada por Claudia Favaro, o professor Carlos Schmidt (Núcleo de Economia Alternativa da UFRGS), Pedro Arantes (UNIFESP), João Farias Rovati (Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da UFRGS), Pedro Ruas (deputado Estadual pelo PSOL) e Lorena Castillo (Bloco de Luta pelo Transporte Público).

O tema do transporte foi iniciado pelo professor Schmidt, ao citar estudo da Fundação de Economia e Estatística, que apresenta o preço dos ônibus presentes nas notas como inferior ao preço lançado no cálculo tarifário, resultando em uma cobrança injusta de tarifa. Segundo Pedro Ruas, Porto Alegre tem um cartel mafioso administrando o transporte público da cidade. O deputado ressaltou também que o lucro do empresariado é abusivo, como já mostrou o Tribunal de Contas do Estado. Outra observação de Ruas foi referente a frota reserva que as empresas de ônibus dizem ter. Segundo ele, estas estão apenas no computador, na realidade elas simplesmente não existem.

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Direita para esquerda: Pedro Ruas, Carlos Schmidt, Claudia Favaro, Pedro Arantes, João Rovati e Lorena Castillo  Foto:Vinícius Zuanazzi

O seminário seguiu e importantes temas foram pauta no segundo dia, como a Copa do Mundo da FIFA no Brasil. Entidade esta, envolvida em inúmeros escândalos, inclusive tendo parte de sua cúpula detida pela polícia norte-americana recentemente, após a comprovação das ações corruptas de seus dirigentes. No Brasil a ação da FIFA não foi diferente, violação de direitos humanos e operações escusas fizeram parte da construção da Copa do Mundo no Brasil.

Para a denúncia dos desmandos da Federação Mundial de Futebol em nosso país, o Comitê Popular da Copa realizou o importante trabalho de construção do Dossiê Copa do Mundo FIFA 2014 e as Violações de Direitos Humanos em Porto Alegre, lançado neste sábado pela militante Claudia Favaro representando o Comitê Popular da Copa. O livro contém passagens importantes sobre as ações abusivas da FIFA durante o megaevento.

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Dossiê da Copa do Mundo Fifa em Porto Alegre Foto: Kátia Marko

Os debates tiveram seguimento pela tarde com mais dois temas: “Movimentos Sociais e alternativas para a produção da moradia e da cidade no Brasil”, debatido por Ceniriani Vargas da Silva (MNLM), Cedenir de Oliveira (MST), Nanashara D’Ávila Sanches (MLB), Eduardo Solari (Rede de Comunidades Autogestionárias), Édisson Campos (MNPR), Juliano Fripp (Fórum das Ocupações) e Ana Paula Perles Ribeiro (MTST).  E “Plano Diretor e os Instrumentos para a Luta popular Urbana em Porto Alegre”, discutido por Maria Tereza Albano (IAB-RS), Betânia Alfonsín (PUC/RS), Sergio Baierle (Cientista Social) e Fernanda Melchiona (vereadora de Porto Alegre pelo PSOL).

Assim se encerrou o momento de discussões do seminário que teve seu objetivo alcançado como início de uma série de debates que deverão ocorrer durante o ano de 2015 e que pretendem contribuir para uma reflexão mais profunda sobre as questões estruturais envolvidas na disputa pelo direito pleno à cidade, sem privilégio para poucos e justo para com todas as classes sociais.

Texto: Vinícius Zuanazzi


Agricultura familiar, produção ecológica e MST

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Porto Alegre Precisa Defender Suas Novas AEIS

Artigo escrito por Jacques Távora Alfonsin, procurador aposentado do estado do Rio Grande do Sul e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos.

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                                             Foto: Vinícius Zuanazzi

A Câmara Municipal de Porto Alegre instituiu recentemente várias novas AEIS (áreas especiais de interesse social) na cidade, por meio da lei 11.807 de 25 de março deste 2015. Como a própria denominação desse tipo de configuração do solo urbano convence, as AEIS procuram dar segurança de posse a assentamentos informais de gente pobre, em áreas ainda não servidas ou ou mal servidas por serviços públicos, geralmente residindo em favelas, com moradias precárias, infra estrutura urbana deteriorada, vielas estreitas, inadequadas para o trânsito, até de ambulâncias e de veículos dos bombeiros, para atender emergências.

Essa espécie de lei procura dar efeito a uma política pública urbana das mais necessárias e urgentes, capaz de abrir a possibilidade de se oferecer condições às/aos moradoras/es aí convivendo, melhor qualidade de vida, garantindo ao seu lugar de moradia acesso fácil ao entorno urbano, um fornecimento regular de luz, água, saneamento básico, coleta de lixo, tudo aquilo que, as vezes, é suprido clandestinamente por elas/es próprias/os, gerando riscos à sua saúde, sossego e segurança.

A lei foi vetada pelo prefeito municipal, na íntegra, e o veto foi rejeitado pelo Legislativo de Porto Alegre, para isso contando até com a base político-partidária aliada do Executivo, o que gerou uma crise responsável pelo pedido de seu desligamento do PDT.

Inconformado com o veto, o prefeito José Fortunati ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN nº 70064381072), junto ao Tribunal de Justiça do Estado, na qual pediu, liminarmente, fossem sustados todos os efeitos da referida lei e, em sentença de mérito posterior fosse ela excluída definitivamente do ordenamento jurídico municipal?

A liminar já foi concedida e os argumentos principais do prefeito são os seguintes:

– Uma alteração de regime urbanístico no grau da criação de AEIS, pressupõe a realização prévia de indispensáveis estudos de viabilidade técnica e jurídica imprescindíveis à efetiva regularização e utilização daquelas áreas para habitação popular;

– A matéria não foi debatida pelas instâncias sociais da cidade?, o que é necessário para se evitar que se beneficiem interesses particulares em detrimento do interesse público;

– Essa participação popular para modificação do Plano Diretor está expressamente prevista na Constituição Federal, na Constituição do Estado do Rio Grande do Sul e na Lei Orgânica de Porto Alegre;

– Não ficou garantida, pois, a chamada democracia participativa, como fundamentados acórdãos do Tribunal de Justiça do Estado sustentam;

– Seis das áreas indicadas na lei ?estão sujeitas a riscos hidrológicos?, uma ?a risco geológico e está vazia, e uma por estar sobre um ?depósito de lixo, tem sério risco de contaminação;

– O Plano Diretor acabou alterado por lei ordinária, o que é manifestamente inconstitucional.

Como era previsível, as/os moradoras/es de todas essas novas AEIS, beneficiários diretos da sua implementação, aguardam com viva expectativa as informações da Câmara, da Procuradoria do Estado, cuja citação foi pedida pelo Prefeito, e do Ministério Público. Elas/es não vão renunciar a um direito que lhes foi reconhecido em lei e vão intervir no processo ajuizado pelo Prefeito, representadas/os por suas associações, procurando provar como as alegações dele são improcedentes em forma e conteúdo.

A começar pela denúncia de não ter-se verificado audiência da população beneficiária dessas AEIS, e de outras instâncias sociais, não deixa de ser curioso o fato de a ação do prefeito ter-se baseado justamente numa das principais conquistas dos movimentos populares de defesa da moradia e da função social da cidade, responsáveis pela inserção, no Estatuto da Cidade (Lei 10.257 de julho de 2001) da garantia de qualquer política pública capaz de afetar, mesmo de forma apenas potencial, a vida de gente residente em área urbana, não poder ser efetivada sem sua audiência.

No artigo 2º desta lei, especialmente em seus incisos XIII e seguintes, essa participação está prevista, sem qualquer referência à necessidade de serem ouvidas todas as instâncias sociais da cidade, parecendo até contraditória a argumentação da ADIN quando alvitra a hipótese de multidões pobres morando em favelas serem capazes de fazer o que o mercado imobiliário, esse sim, tem o poder de impor: contrariar o interesse público.

 O Estatuto da Cidade é lei complementar da Constituição Federal, sendo sintomático o fato de a iniciativa judicial do Prefeito não fazer nenhuma lembrança dele. A previsão legal do inciso XIII do seu artigo 2º não impôs outra coisa que não a de se garantir ao povo beneficiário ou prejudicado por implementação de política pública relativa à região onde mora, ser comprovadamente ouvido.

As atas das reuniões que várias comissões e o próprio Plenário da Câmara, realizadas para isso, muitas divulgadas até pela mídia, mostram que o Prefeito está bem equivocado a respeito disso, o mesmo valendo, para as outras razões invocadas pela ação judicial por ele proposta.

As formalidades próprias do devido processo legal, em tramitação de projetos de lei de uma importância, conveniência e oportunidade como essa, não pode ultrapassar sua condição de meio procurando impor-se como fim, ignorando necessidades sociais com direito a serem satisfeitas sem demora. Qualquer possível irregularidade havida nesse procedimento pode ser perfeitamente sanada por uma das principais e conhecidas virtudes das AEIS, ou seja a de elas abrirem a possibilidade de se instaurar processos de regularização fundiária capazes de resolver problemas urbanos aparentemente vetados por exigências de caráter meramente formal.

 A presença da Defensoria Pública, de outra parte, em reuniões promovidas pela Câmara Municipal e até de representantes do Poder Executivo, para tratar dessas AEIS, ouvindo grupos de pessoas pobres residentes nas áreas urbanas agora beneficiários dessas AEIS, é outra prova inquestionável da publicidade havida em toda a tramitação do projeto transformado em lei pela Câmara de vereadoras/es do Município.

Quando a inciativa judicial do Poder Executivo Municipal, então, procura repetir tudo ter sido feito de modo manifestamente inconstitucional, esquece duas coisas elementares, por si sós suficientes para provar a improcedência dessa ADIN.

A primeira, de a criação de duas outras recentes AEIS, na cidade, não terem passado pelo filtro apertadíssimo que ela pretende impor agora (região da Avenida Tronco e do Morro Santa Teresa, fronteiro ao estádio Beira-Rio). A segunda, bem mais grave, de a administração publica do Município, por sua ineficiência e inércia, ignorando a parte final do artigo 37 da Constituição Federal (princípio da eficiência) ter imposto à Câmara Municipal a obrigação de fazer o que ela não fez: ouvir o clamor histórico de todo um povo pobre, historicamente privado das garantias devidas a direitos humanos fundamentais violados, prosseguir vivendo e morando mal.

Já que tudo isso, agora, vai ser decidido pelo Poder Judiciário, esse povo vai continuar defendendo esses direitos nessa nova instância, esperando alcançar lá o que o Poder Executivo lhe negou de modo inconstitucional muito mais sério e grave do atribuído por ele à Câmara Municipal.